Apesar do recente aumento na classificação de crédito do Brasil pela agência de avaliação de risco Moody’s e da diminuição nas taxas de juros dos Estados Unidos pelo Federal Reserve (Fed), o fluxo de investidores estrangeiros na B3, a Bolsa de Valores do Brasil, continua a ser negativo.
No começo de outubro, o fluxo de capital externo enfrentou uma saída de R$ 560 milhões, e entre setembro e o dia 15 do mesmo mês, o total de retiradas acumulou R$ 2,23 bilhões, conforme análise da consultoria Elos Ayta.
Especialistas consultados pela Gazeta do Povo concordam que o movimento de capital estrangeiro, influenciado por tendências globais, está sendo impactado pela incerteza sobre a viabilidade da dívida pública brasileira e o equilíbrio fiscal do país.
Esse movimento de desinvestimento já era perceptível desde o início do ano, com um pico em abril, quando as saídas líquidas totalizaram R$ 11,1 bilhões. Embora julho e agosto tenham apresentado uma leve recuperação da Bolsa, com um breve rally, a tendência de queda logo se restabeleceu.
Em termos acumulados, até o presente momento do ano, a participação de investidores estrangeiros na B3 diminuiu em R$ 23,7 bilhões, representando, em setembro, 58% do total de aplicações na bolsa.
“Os investidores adotaram uma postura de risk off [aversão ao risco]”, afirma Guilherme Suzuki, sócio e responsável pela área de Portfólio Solutions da Astra Capital.
Havia a expectativa de que a redução nas taxas de juros americanas poderia faz com que investidores dirigissem sua atenção ao Brasil. Contudo, o anúncio de um corte de 0,5 ponto percentual pelo Fed, reduzindo a taxa para uma faixa entre 4,75% e 5% ao ano, em 18 de setembro, não conseguiu sustentar uma tendência de alta contínua.
De acordo com Suzuki, além das variáveis externas, como a crise no Oriente Médio e as dificuldades econômicas enfrentadas pela China, a deterioração fiscal que levou ao novo ciclo de aumento da taxa Selic no Brasil obscureceu os efeitos positivos da queda nos juros americanos.
O Banco Central elevou a Selic em setembro para 10,75%, iniciando um novo ciclo de restrição monetária. “À medida que os juros aumentam, a Bolsa tende a cair”, resume Suzuki.
Investidores estrangeiros estão retirando recursos da B3.| Gráfico: Elos Ayta
Investidores estrangeiros retiram capital da B3 em favor dos EUA
A mudança na política monetária do Banco Central se deve à necessidade de controlar a inflação, que tem sido impulsionada pelo aquecimento do mercado interno, o agravamento das contas públicas e as incertezas relacionadas ao cumprimento da meta do novo arcabouço fiscal.
O pessimismo no mercado financeiro aumentou, de acordo com o Boletim Focus divulgado nesta segunda-feira (21), que já projeta que a inflação encerrará 2024 em 4,5%, que é o teto da meta para o IPCA, estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Para o final do ano, a Selic deve se situar em torno de 11,75%, segundo a pesquisa com especialistas financeiros.
João Vitor Saccardo, que coordena a mesa de renda variável da Convexa, alerta que a inflação descontrolada torna o cenário menos otimista.
“A dificuldade em manter a inflação sob controle pressiona a Selic. Isso faz com que investimentos de risco, incluindo ações, se tornem menos atraentes”, destaca.
Parte do capital que os investidores internacionais estão retirando da B3 está sendo redirecionada para ativos de renda fixa. Outros estão buscando oportunidades em emergentes mais estáveis, como a Índia e a China, mas a maior parte acaba retornando ao mercado americano.
“Os investidores externamente percebem que potencialmente é mais seguro assumir riscos nos EUA do que no Brasil, especialmente com as taxas de juros americanas em queda e as brasileiras em ascensão, em razão da falta de controle fiscal”, afirma Virgílio Lage, especialista da Valor Investimentos.
Raquel Zucchi, responsável pela pesquisa da Investo, observa que mesmo com a queda dos juros nos EUA em setembro, o Ibovespa mostrou uma queda de 3,08%, resultando em uma desvalorização de 1,76% no acumulado do ano. Em contraste, o S&P 500, índice da bolsa americana, teve alta de 2% em dólar no mesmo período.
“Isso indica que a diminuição das taxas de lá não é suficiente para atrair investimentos para o Brasil”, afirma. “As incertezas a respeito da sustentabilidade da dívida pública brasileira e do equilíbrio fiscal geram um ambiente de volatilidade.”
Elevação da nota de crédito sem impacto no investidor externo
A recente melhora na nota de crédito pelo Moody’s, após a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, à agência em setembro, também não provocou mudanças nas expectativas do mercado. Agora, o Brasil está mais próximo do grau de investimento, que é concedido àqueles países considerados com boa capacidade de pagamento.
“O mercado não está convencido da elevação da Moody’s”, diz Francisca Brasileiro, diretora de Investment Solutions da TAG Investimentos.
Ela pondera que é fundamental distinguir entre direção e expectativa. “Ninguém acredita que o Brasil esteja à beira de um colapso, mas enfrentamos mais uma piora nas contas fiscais”, explica. “Uma mudança de classificação não tem efeito no mercado até que observemos ações concretas que justifiquem uma melhora nas finanças públicas.”
Suzuki acredita que, apesar da recepção inicial positiva do mercado em relação à mitigação do risco, a racionalidade sempre prevalece na avaliação do mercado.
“Os agentes colocam em questão o quanto essa reclassificação [da Moody’s] é verdadeira e sempre voltam a avaliar os preços justos”, acrescenta. “Embora tenhamos uma dívida relativamente controlada, ela está crescendo. Os problemas de inflação, de natureza fiscal, e de arrecadação são palpáveis. O mercado está desconfiado em relação ao governo e aguardará medidas concretas de ajuste.”
Ceticismo quanto à redução de gastos impulsiona aumento da Selic
O ceticismo sobre a capacidade do governo de cortar gastos, segundo a diretora da TAG, foi o que motivou o aumento da taxa Selic, o que poderia ter sido evitado. “Na prática, não conseguimos manter a trajetória de queda. Estamos novamente em um ciclo de aumento”, afirma.
No início do ano, a Selic estava em 11,75%, mas a expectativa era que um ciclo de cortes levaria a taxa a 8% até o final de 2024, segundo as projeções mais otimistas. O Banco Central começou esse “pouso” em março, mas foi interrompido em julho, quando manteve a taxa em 10,50%. Em setembro, houve um novo aumento.
As estimativas para a Selic ao final do ano passaram de 10% em agosto para 11,25% em outubro, conforme o Focus. “Embora alguns falem em 14%, a expectativa é que fique em torno de 12,5% no próximo ano”, prevê Francisca Brasileiro, da TAG.
Segundo ela, a meta de inflação não estava ameaçada antes da nova pressão. “Não é necessário elevar tanto os juros para alcançar a meta. As pressões sobre o Banco Central provêm mais da desconfiança em relação ao governo do que de fundamentos macroeconômicos”, ressalta.
Fernando Ulrich, da Liberta, também acredita que os juros poderiam ter permanecido inalterados na última reunião do Banco Central, sem risco para a inflação.
“O Banco Central errou ao diminuir as taxas para 2% [durante a pandemia, para estimular a economia]. Em seguida, cometeu um novo erro ao elevar abruptamente para 13,75% ao ano”, comentou em seu canal no YouTube. “E agora, com essa nova decisão de aumentar novamente, um novo erro se desenha.”
De acordo com Zucchi, da Investo, o novo ciclo de aperto monetário no Brasil pode manter a aversão ao risco entre os investidores internacionais.
“Os dados atuais sobre o PIB, por exemplo, superaram as expectativas do mercado, indicando uma economia em crescimento – o que eleva as chances de novos aumentos na Selic”, ressalta. “Os investidores internacionais enxergam isso com cautela, pois um ciclo de elevações agressivas pode continuar a afetar os ativos de risco e a sustentabilidade da dívida pública.”
Além disso, os dados robustos da economia americana nos últimos dias sugerem uma reversão no ciclo de baixas também por lá, o que pode afastar ainda mais o investidor da Bolsa brasileira.
Olá, eu sou Bruno, editor do blog QualificaSP.com, dedicado ao universo da capacitação profissional e do empreendedorismo.